domingo, 8 de julho de 2012

Invisto ou compro uma casa?

Por Sérgio Tauhata
Matéria publicada em http://www.valor.com.br

SÃO PAULO - O sujeito sai do banco cabisbaixo: com a queda da Selic, a taxa básica de juros, o rendimento de seu fundo DI está cada vez menor. Do outro lado da rua, vê a placa de um lançamento imobiliário, pensa na performance também minguada do seu FGTS e tem uma ideia: volta ao banco e pergunta sobre as condições de financiamento habitacional. Numa comparação rápida, questiona: se consigo um crédito com taxa abaixo de 8,5% – patamar da Selic no fim de junho –, financiar um imóvel usando meu FGTS pode ser mais negócio do que continuar no fundo DI? 

A resposta, como é fácil intuir, vem cercada de particularidades. Como princípio básico, mesmo se usar o maior percentual possível de financiamento, de 90% do valor pelas regras do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), bastaria o preço de mercado do imóvel superar a rentabilidade de aplicações como um fundo DI para o interessado fazer um bom negócio. E, com a taxa Selic em níveis historicamente baixos, em tese ficaria mais fácil bater esse rendimento. 

O fato é que as condições nunca foram tão favoráveis aos compradores quanto agora. De 2005 para cá, as taxas efetivas de financiamento imobiliário despencaram de uma faixa anual entre 15% e 19% para 7,8% a 11%, ou seja, caíram praticamente pela metade. Enquanto isso, de 2007 a 2011, a renda média do brasileiro subiu 43%. O período para o pagamento dos empréstimos também ganhou elasticidade. Em 2007, os novos mutuários receberam uma década a mais para quitar a casa própria, quando o prazo subiu de 20 anos para 30 anos. E, em junho deste ano, a Caixa Econômica Federal ampliou para 35 anos esse tempo máximo, medida que foi seguida pelo Santander. 

A soma desses fatores, no entanto, cobrou um preço: a abertura da comporta de uma demanda histórica reprimida catapultou a valorização dos imóveis. Os preços já vinham em alta desde a instituição da alienação fiduciária, no fim dos anos 90, e do crescimento da oferta de crédito como proporção do PIB, a partir de 2004. O cenário mais recente reforçou essa tendência. Segundo o índice Fipe/Zap, medido pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, as propriedades urbanas subiram em média 138% em São Paulo e 172% no Rio de Janeiro, entre janeiro de 2008 e maio de 2012. A alta foi mais do que o dobro, no caso da capital paulista, e quase o triplo, no mercado carioca, da variação de 57,12% do Certificado de Depósito Interfinanceiro (CDI), referência de aplicações como fundos DI e CDBs, e muito acima dos 35,48% da poupança no período. 

A exuberância dessa valorização atrai gente de todos os perfis, de investidores profissionais a pessoas físicas que enxergam uma oportunidade de ganhos. Este é o caso do contador Guilherme Pontes Fortes, que está para fechar seu sétimo financiamento – os seis anteriores com o uso do FGTS. “Comprei meu primeiro apartamento há dez anos, com uma taxa de uns 15% ao ano”, conta. A nova operação é motivada por um misto de necessidade e visão de investimento. “Pela minha experiência, imóvel é uma boa aplicação, se você souber pegar uma onda de valorização.” 

O novo lar da família Fortes será um apartamento de 120 m², para substituir o atual, de 90 m². O contador chegou a ter um apartamento maior, de 142 m², que comprou há alguns anos, na planta, por R$ 380 mil. Pouco depois de pegar as chaves, decidiu revendê-lo para saldar uma dívida. Recebeu R$ 820 mil – uma valorização de 115% em quase quatro anos. “Com esse dinheiro, pagamos a dívida e compramos o apartamento em que moramos hoje”, diz. Para Fortes, apesar de não ter os R$ 740 mil necessários para comprar à vista o novo imóvel e, desta vez, não poder usar o FGTS, a hora é oportuna. “As taxas estão muito boas e a região vai continuar se valorizando”, diz. 

Apesar do otimismo exibido por muitos compradores, a festa pode estar no fim, ou, pelo menos, na fase de declínio. “Ninguém acha que o preço dos imóveis vai cair, mas é um mercado cíclico”, alerta o economista Luis Calado, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (Ibef) de São Paulo. 

Na avaliação do especialista, nos últimos cinco anos os brasileiros assistiram a uma situação muito favorável, próxima do pleno emprego, com renda em alta e expansão do crédito. “Agora a perspectiva é de crise no exterior”, lembra, alertando para o risco de reflexos nos níveis de emprego e consumo no Brasil. “O PIB praticamente estagnou e a inadimplência vem subindo, o que tem impacto negativo no mercado”, explica. 

Os rumos do mercado vão definir se o jogo do negócio imobiliário pode virar. Isso porque a “rentabilidade” dos imóveis segue o apetite do mercado. Mesmo as propriedades com renda, ou seja, sobre as quais o dono recebe aluguel, dependem da variação do preço para se tornarem investimentos atrativos. As locações, em média, situam-se entre 0,5% e 0,8% do valor de mercado. Mas quedas na “cotação” do bem podem tornar esse ganho menor do que o rendimento de um fundo DI. 

O economista Marcelo d'Agosto, autor do blog O Consultor Financeiro, do portal Valor, fez uma simulação comparando os rendimentos de um fundo DI com taxa de administração de 1% com um financiamento habitacional com juros de 7,9% ao ano, pelo prazo de 420 meses e com entrada mínima permitida de 10%. Conclusão: o imóvel teria de se valorizar 7,86% no primeiro ano para vencer a aplicação. Essa rentabilidade seria suficiente para cobrir a dívida e os juros que o comprador deixaria de receber se investisse a entrada e o valor equivalente às mensalidades ao longo do período. No decorrer dos meses, essa taxa decresce, mas não muito: ao fim dos 35 anos, estaria em 7,59%. 

Entradas maiores diminuem o percentual de referência para bater o fundo DI, mas são descontos limitados. Com 80%, por exemplo, a valorização necessária do imóvel começaria em 7,58% ao ano e terminaria em 7,52%, após 420 meses. Ou seja, teria sempre de andar perto do patamar da taxa de juros fechada para o financiamento. Este é o grande risco do imóvel como investimento: a oscilação de preços do ativo. Não há nenhuma garantia de alta continuada. 

Se o imóvel se destina ao aluguel, a valorização para bater um fundo cai a menos da metade, mas o crédito só pode ser tomado fora do SFH. Com uma locação de 0,65%, o ganho é de 8% ao ano. Em um financiamento com juro anual de 10%, o imóvel teria de subir 9,75% para vencer um fundo DI. Mas, descontada a renda, o retorno exigido cairia para 1,75%. 

Para entender qual o rumo do mercado no longo prazo, o coordenador do índice Fipe/Zap, Eduardo Zylberstajn, diz que é necessário monitorar as mudanças recentes do crédito, com prazos alongados e taxas mais baixas. “Se as novas condições forem sustentáveis, então, com demanda elevada, os preços devem permanecer em alta, porém, mais contida do que nos últimos anos”, afirma. 

A Caixa Econômica Federal, que responde por 74% do mercado de crédito para habitação no país, prevê aumento de 25% do volume de recursos liberados neste ano, em relação a 2011. “A meta oficial hoje é de aplicarmos R$ 96 bilhões neste ano, mas acredito que, com a redução de taxas e adequação do prazo, possamos chegar a R$ 100 bilhões”, diz o diretor de habitação da Caixa, Teotonio Costa Rezende. 


Além das condições mais favoráveis do crédito imobiliário, a queda da Selic e a consequente perda de remuneração das aplicações podem ajudar a manter a demanda aquecida. “A Selic tem, sim, uma influência importante e pode ser um estímulo à procura de imóveis. As taxas de juros mais baixas começam a trazer um interessado diferente, que busca um investimento alternativo”, afirma o diretor-executivo de negócios imobiliários do Santander, José Roberto Machado. 

Na carteira do Bradesco, os dados mostram um quadro equilibrado no perfil do crédito imobiliário. Apesar de trabalhar com empréstimos de até 80% do valor do imóvel, o “loan to value” (LTV), que indica o percentual efetivamente financiado, situa-se em 54%, ou seja, o mutuário tem apresentado, em média, uma entrada de 46% do valor. “Isso mostra que o comprador está se preparando e financiando bem menos do que poderia”, afirma o diretor de crédito imobiliário do Bradesco, Claudio Borges. Segundo o executivo, a inadimplência também permanece baixa, em torno de 1,8%. 

Se depender dos grandes bancos, a batalha pelo cliente imobiliário está só no começo. Todos estão de olho em um mercado que pode triplicar de tamanho em cinco anos. Estimativas do Banco do Brasil (BB) indicam que, até 2017, o crédito para habitação pode representar 15% do PIB, ante os atuais 5%. A instituição, que começou a oferecer essa modalidade de crédito apenas a partir de 2008, tem um objetivo ambicioso: alcançar a segunda posição no segmento até 2014. “Para isso, nossa meta é que a carteira cresça 100% ao ano nesse período”, afirma o diretor da área de crédito imobiliário do BB, Gueitiro Matsuo Genso. 

O BB e a Caixa oferecem as melhores taxas de financiamento pelas regras do SFH, de 7,9% e 7,8%, respectivamente. Segundo o executivo do BB, qualquer cliente já começa com uma tarifa de 8,4% e ganha mais 0,5 ponto percentual de desconto se trouxer a conta-salário para o banco por meio da portabilidade, ou seja, o direito de o trabalhador escolher a instituição na qual vai ter seus rendimentos creditados, que começou a valer em janeiro deste ano. 

Na Caixa, para o cliente conseguir a melhor taxa, além de ter a renda depositada na instituição, tem de usar produtos do banco, como cartão de crédito e cheque especial. “Qualquer pessoa, correntista ou não, já começaria com uma taxa de 8,85%. Mas concedemos descontos de meio ponto conforme o nível de relacionamento”, explica o diretor de habitação.



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